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quinta-feira, 7 de julho de 2016

SALDANHA DA GAMA - Minha segunda casa




Voltando um pouco no tempo, me lembro que inicialmente fui inscrito na natação no famoso "Aprende a Nadar" do Clube de Regatas Saldanha da Gama, clube que depois se tornaria a minha segunda casa, parte integrante da minha história e da de muitos amigos que construímos durante toda a infância e adolescência.
O Saldanha sempre foi muito rigoroso com o aprendizado e a evolução de seus alunos e atletas.
O "Aprende a Nadar", nos idos do início dos anos setenta, eram da responsabilidade de dois professores. A Suzana, que cuidava das meninas, e o Júnior ( José Luiz da Silva Júnior ), que cuidava dos garotos.

A Suzana era filha do Zequinha ( José do Carmo Neves ), um mito da natação santista, descobridor e formador de vários talentos daquela geração. Zequinha, já falecido, emprestou seu nome para inúmeros torneios Brasil afora, tamanha sua importância para a natação brasileira.
Eu tinha seis ou sete anos.

Lembro da minha primeira aula, JURO.
E a água da piscina era gelada.
O professor me perguntou se eu sabia nadar e pediu para eu nadar naquela "interminável" piscina de 16 metros, que carinhosamente depois chamaríamos de "piscininha", que ficava na parte mais próxima ao vizinho Vasco da Gama.

Foi a primeira bronca que eu tomei de milhares em minha carreira esportiva.
Eu nadava com a cabeça pra fora da água, e ele falava que eu tinha que enfiar a cabeça na água.
As aulas eram básicas
A gente ia e voltava de um lado pro outro da piscina e na hora de bater perna, cada um segurava na borda da piscina e ficava batendo perna e respirando enfiando a cabeça na água.

Depois do "Aprende a Nadar", tinha o "Aperfeiçoamento", com o Roberto Rotundo Guerra.
Para passar para o Aperfeiçoamento, que era na piscina de 25 metros que ilustra esse texto, éramos obrigados a nadar 50 metros em menos de 1min30segundos e depois de, no mínimo, seis meses na piscininha.

E a água era gelada.

Depois do "Aperfeiçoamento", tinham as "Equipes A e B". A Equipe B ficava à cargo do Ícaro de Barros e a A com o Zequinha.
Para passar do Aperfeiçoamento para as Equipes, éramos obrigados a os quatro estilos.
E o Clube fazia um torneio somente para isso. Todos ganhávamos medalhas e comigo não foi diferente. E eu guardo minha primeira medalha até hoje.
Fiquei alguns meses no Aperfeiçoamento. 

Algum tempo com o Guerra e depois novamente com o Júnior.
Zequinha havia saído do Saldanha, convidado pelo Santa Cecília. 
Tudo mudou. Ícaro foi pra A, o Guerra pra B, o Junior subiu pro Aperfeiçoamento.

Logo eu comecei a fazer parte da equipe de competições do Saldanha, com menos de nove anos de idade. E fui aprender a nadar os quatro estilos com o Guerra, meu amigo de toda uma vida, que me ensinou mais do que nadar. Acho que todo treinador de um atleta se torna uma espécie de segundo pai, confidente, a pessoa o qual depositamos todos os nossos sonhos e anseios. O Guerra sempre foi querido por todos, sem exceção, penso eu.
Comigo não foi diferente.


Mamãe, dona Lourdes, levava todos os santos dias eu e minha irmã para a natação às 5 da manhã, no máximo 5h30.
A maninha logo desistiu.
Cinco dias por semana, durante o ano inteiro, SEM FÉRIAS.

A piscina, do falecido Saldanha da Gama, NÃO tinha aquecedores. Não tinha dosadores de cloro. 
Era na raça.
Mamãe ficava ali sentada na arquibancada com tantas outras mães. Lembro muito dela com a mãe do Célio e do Celso Hata. E com a dona Geni, mãe do Fábio e da Débora Sesti. Ficavam tricotando, literalmente, e conversando aguardando nós terminarmos de ir e vir naquela piscina, sem hora pra acabar.
E era gelada.

O zelador do clube, carinhosamente apelidado de "Baianinho", media o PH da água, buscava um galão gigantesco e despencava cloro na piscina até Deus dizer chega.
E era gelada.
Às seis da manhã, no inverno e no verão, era gelada. E tinha treino.
Às quatro da tarde, no inverno e no verão, era gelada. E tinha treino.
E tinha treino aos sábados.


E nossos treinadores, como aquecimento, faziam a equipe inteira correr do clube até o Canal 6, às vezes até o 5 ou o 4, e ia de moto pela avenida controlando quem "roubava" na distância.
Na água, normalmente, só pra aquecer a metragem já chegava em mil metros.
E quem nadasse provas de velocidade tinha um treino.
E quem nadasse provas de fundo tinha o MESMO treino.
E era gelada.
E enquanto a gente fazia o item H do treino do Guerra, com vários sub itens colocados entre colchetes e parênteses ( que normalmente dava entre 2 e 3 mil só esse item ), ele ficava preenchendo manualmente as fichas de inscrição individual de alguma competição que estava por vir, lá na casinha ao lado da piscina.
E quem roubasse, ele sabia. Não era possível, mas ele sabia. Acho que foi ele quem inventou as câmeras de segurança, já naquela época.
Era impossível que ele soubesse que a gente roubava 200 metros em uma série de 3 mil, mas ele sabia.
Hoje somos muito amigos. Mas todos odiavam ele naquela época. (brincadeirinha... o Guerra foi um dos grandes treinadores do Saldanha ..depois vou acrescentar aqui sobre todos ).


E as pranchinhas que a galera usava para bater perna eram de madeira, muito diferentes dessas de EVA levinhas que existem hoje. Eram enormes e pesadas, e ficavam todas fincadas em um cano na altura certa para cada um pegar a sua.
É, tinha um buraquinho no alto da PRANCHINHA pra guardar ela.

Naquela época, treinador não pegava material para atleta.
Todos os SANTOS DIAS, ouvíamos a mesmíssima frase deles:
- Peguem todo o material ( palmares, boias, pranchinhas ).
No clube só existia a pranchinha.
Boia e palmares, cada um tinha o seu.
E não existiam fábricas de material esportivo como hoje.

As boinhas eram dois cilindros de isopor, unidas por um garrote igual aqueles de amarrar o braço pra levar injeção. E aquilo assava a perna.
E a água era gelada. Ardia as assaduras.
Os palmares ? A gente ia nas oficinas de bairro que trabalhavam com acrílico e pedíamos pedaços que iam pro lixo. Levávamos pra casa, cortávamos o retângulo do tamanho da mão, fazíamos quatro furos com faca quente pra passar o mesmo garrote das boinhas e fixávamos com nós.
E éramos TODOS muito mais felizes do que hoje.
E a água era gelada, muito gelada.

E a gente fazia 60x100 pra nadar e descansar em 1'30 com 5 minutos de descanso a cada 20 tiros.
E tinha 40x25 com corrida ( e todo mundo queria nadar na raia 1 ou 8 ). E não podia subir pela escadinha.
E a água era gelada.
E a gente depois de crescer um pouco ia de ônibus pro clube. E o ônibus parava longe. E a gente pegava carona pra economizar o dinheiro do busão pra comer lanche na escola.
Cheguei até a pegar carona uma vez com o Pelé, o rei do futebol. JURO. Todo mundo sabe dessa história. Ganhei uma medalha dele, dos mil gols. Só foram feitas mil. Alguém me roubou essa medalha em casa. E eu sei quem foi. Mas até hoje não cobrei, achei melhor deixar pra lá.

Depois, com menos de doze anos, passei para a Equipe A


Aquilo me assustava muito. Todo mundo nadava demais no Saldanha.
Poucos talvez me conheçam, porque eu fiz parte justamente de uma geração intermediária entre a de grandes nomes como Célio Hata, Luiz Aragão dos Santos ( já falecido ), Ricardo Peres, Sidney de Freitas Rodrigues, Ricardo Polito, Miguel Naveira, Marcos Fuschini, Milton Guerra, Sonia e Simone Lima, Cláudia Viviani, as irmãs Lorenz e tantos outros e uma outra geração que veio depois com nomes expressivos como José Ricardo Pereira Dutra, Fernando Cesar Pedrinho, Luiz Eduardo Junqueira, Faissal Murad, Carlos e Eduardo Moreira Peres e suas irmãs Roberta e Cláudia, Claudinho e Marcelo Mauriz, Fernando Coelho e seu irmão Cleber,  e tantos outros igualmente.
Nadei com muita gente naquela piscina.
Muitos treinadores.
Ícaro saiu, convidado pelo Pinheiros. Subiu a serra. 
Veio o Tarcílio Padovani, veio o Carlos Fuschini, o Neno, o grande Moacyr Rebello dos Santos E a galera da equipe A chegava cedo no clube, pra jogar basquete antes do treino. E nosso time de basquete da natação era melhor que o time de basquete do clube. O treinador do Saldanha na época, Pinheiro Neto ( Zé Maria ), já falecido, convidava insistentemente a todos nós para jogarmos basquete. E a gente não aceitava.
Porque éramos todos da Natação.
E a água era gelada.


E existia Campeonato Santista de Natação, acreditem.
Participavam o Saldanha, o Vasco, O Regatas Santista ( todos mortos ), o Internacional, o Santa Cecilia, o Tumiarú, o Atlético Santista ( morto também ).
E existiam quatro ou cinco Torneios Preparação Regionais durante o ano.
E a competição era intensa.
E a água era SEMPRE gelada.

A primeira vez que fiz abaixo de 1 minuto no 100livre na minha vida foi com 14 anos. Na água gelada. Até os meus 18 anos ainda baixei mais 6 segundos do minuto. Hoje não pegaria nem final D em um campeonato com 54 segundos. Na minha época eu seria o melhor se não fossem todos os outros.
Paulo fazia 51, Dutra 52. Eu, 54.
Tudo na água gelada.

E depois das competições, ficávamos todos no clube. Normalmente as competições aconteciam nos clubes da Ponta da Praia. Quando era no Inter ou no Vasco, jogávamos "contra".
E todo mundo saía arrebentado do futebol.
Todos ralados.
E na segunda já estávamos lá , na piscina gelada, para mais uma semana de treinos.
Na água gelada.





E tinham os amistosos contra outros clubes em outras cidades.
E tinham as viagens para Panorama, divisa com o Mato Grosso, de trem, onde competíamos no Rio Paraná, com piranhas.
E tinham os campeonatos Paulista e Brasileiro, onde a galera caloura levava pasta dos veteranos.
E tinham os bailes de carnaval onde todos nos reuníamos na casa do Miguel Naveira para pular a noite inteira.
 
Hoje a grande maioria está por aqui. Somos todos amigos virtuais.
Naquela época éramos todos amigos reais.
Havia muita rivalidade entre os clubes. Mas éramos todos amigos.
Porque existiam também os Jogos Regionais.
Os Jogos Abertos.
As cidades não contratavam atletas. Éramos nós mesmos a defender as cores da nossa cidade.
Aquele casaco pesado azul com uma listra vermelha e outra branca e o nome SANTOS estampado nas costas.
Aquilo era a maior premiação de um atleta naqueles tempos.
Todos queriam competir Regionais e Abertos.
Eram em outras cidades, em outras piscinas.
Todas geladas.

Já próximo dos meus 20 anos, o Saldanha já não era mais o mesmo. Eu era praticamente o último da minha geração, porque todos que ainda nadavam ali tinham quatro ou cinco anos menos do que eu. Num fatídico desentendimento entre o clube e o treinador do Saldanha na época, todo mundo resolveu ir para o Santa Cecília.
Naquela época a água já era ( mais ou menos ) aquecida.

Ficamos no Saldanha eu ( que já treinava muito pouco ), o Dutra e a Renata Agondi. Depois não ficou ninguém.
Dutra e Renata eram namorados.
Perdemos a Renata para o mar que ela tanto amava.
E essa história todo mundo que nadou em Santos conhece, infelizmente.

Existem ainda outras muitas histórias que poderiam ser contadas por aqui. De nossos tantos carnavais que dormíamos na casa do Sr. Dutra, pai do Zé Ricardo, bem atrás do clube. Das sorvetadas, das viagens de amistosos em outras cidades, de todas as amizades.
Mas eu quis ser breve apenas para tentar fazer meus amigos daquele tempo voltarem um pouquinho ao passado e se sentirem vivos dentro desse relato.
Será que consegui ?

A foto que ilustra o "post" é da piscina do extinto Clube de Regatas Saldanha da Gama. Já não existe mais.
A modernidade não permite saudosismos exagerados.

Obrigado, Saldanha.



(continua logo mais quando a inspiração e a memória permitirem).

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