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segunda-feira, 10 de abril de 2017

Clube de Regatas Saldanha da Gama, um sonho que acabou !



A época foi a primeira metade dá década de 70 do século passado.

Mamãe, dona Lourdes, levava todos os santos dias eu e minha irmã para a natação ( a mana desistiu cedo ) às 5 da manhã, no máximo 5h30.
Cinco dias por semana, durante o ano inteiro, 
SEM FÉRIAS, inclusive nas férias.

A piscina, do saudoso Clube de Regatas Saldanha da Gama, NÃO tinha aquecedores. Não tinha dosadores de cloro. Era na raça.
O zelador do clube, carinhosamente apelidado de "Baianinho", media o PH da água, buscava um galão gigantesco e despencava cloro na piscina até Deus dizer chega.
Às vezes Deus esquecia de dizer.
E a piscina era gelada.
Às seis da manhã, no inverno e no verão, era gelada. E tinha treino.
Às quatro da tarde, no inverno e no verão, era gelada. E tinha treino.
E tinha treino aos sábados.
E nossos treinadores, como aquecimento, faziam a equipe inteira correr do clube até o Canal 6, às vezes até o 5 ou o 4, e iam de moto pela avenida controlando quem "roubava" na distância.

Na água, normalmente, só pra aquecer a metragem já chegava em mil metros.
E quem nadasse provas de velocidade tinha um treino.
E quem nadasse provas de fundo tinha o MESMO treino.
E era gelada.
E enquanto fazíamos o item M do treino do Roberto Guerra, com vários sub itens colocados entre colchetes e parênteses ( que normalmente dava entre 2 e 3 mil só esse item ), ele ficava preenchendo manualmente as fichas de inscrição individual de alguma competição que estava por vir, lá na casinha ao lado da piscina.
E quem roubasse, ele sabia. Não era possível, mas ele sabia. Acho que foi ele quem inventou as câmeras de segurança, já naquela época.
Era impossível que ele soubesse que a gente roubava 200 metros em uma série de 3 mil, mas ele sabia.
Hoje somos muito amigos. Mas todos odiavam ele naquela época. (brincadeirinha... o Guerra foi um dos grandes treinadores do Saldanha ..depois vou acrescentar aqui sobre todos ).

E as pranchinhas onde a galera batia perna eram de madeira, muito diferentes dessas de EVA levinhas que existem hoje. Eram enormes e pesadas, e ficavam todas fincadas em um cano na altura certa para cada um pegar a sua.
É, tinha um buraquinho no alto da PRANCHINHA pra guardar ela.

Naquela época, treinador não pegava material para atleta.
Todos os SANTOS DIAS, ouvíamos a mesmíssima frase deles:
- Peguem todo o material ( palmares, boias, pranchinhas ).
No clube só existia a pranchinha.
Boia e palmares, cada um tinha o seu.
E não existiam fábricas de material esportivo como hoje.

As boinhas eram dois cilindros de isopor, unidas por um garrote igual aqueles de amarrar o braço pra levar injeção. E aquilo assava a perna.
E a água era gelada. Ardiam as assaduras.
Os palmares ? A gente ia nas oficinas de bairro que trabalhavam com acrílico e pedíamos pedaços que iam pro lixo. Levávamos pra casa, cortávamos o retângulo do tamanho da mão, fazíamos quatro furos com faca quente pra passar o mesmo garrote das boinhas e fixávamos com nós.
E éramos TODOS muito mais felizes do que hoje.
E a água era gelada, muito gelada.

E a gente fazia 60x100 pra nadar e descansar em 1'30 com 5 minutos de descanso a cada 20 tiros.
E tinha 40x25 com corrida ( e todo mundo queria nadar na raia 1 ou 8 ). E não podia subir pela escadinha.
E a água era gelada.
E a gente depois de crescer um pouco ia de ônibus pro clube. E o ônibus parava longe. E a gente pegava carona pra economizar o dinheiro do busão pra comer lanche na escola.
Cheguei até a pegar carona uma vez com o Pelé, o rei do futebol. 
JURO. 
Todo mundo sabe dessa história. Ganhei uma medalha dele, dos mil gols. Só foram feitas mil. Alguém me roubou essa medalha em casa. E eu sei quem foi. 
Mas até hoje não cobrei, achei melhor deixar pra lá. Coisas de família.

E a galera da equipe A chegava cedo no clube, pra jogar basquete antes do treino. E nosso time de basquete da natação era melhor que o time de basquete do clube. O treinador do Saldanha na época, Pinheiro Neto ( Zé Maria ), já falecido, convidava insistentemente a todos nós para jogarmos basquete. E a gente não aceitava.
Porque éramos todos da Natação.
E a água era gelada.

E existia Campeonato Santista de Natação, acreditem.
Participavam o Saldanha, o Vasco, O Regatas Santista, o Internacional, o Santa Cecilia, o Tumiarú, o Atlético Santista ( morto também ).
E existiam quatro ou cinco Torneios Preparação Regionais durante o ano.
E a competição era intensa.
E a água era SEMPRE gelada.

A primeira vez que fiz abaixo de 1 minuto no 100livre na minha vida foi com 14 anos. Na água gelada. Até os meus 18 anos ainda baixei mais 6 segundos do minuto. Hoje não pegaria nem final D em um campeonato com 54 segundos. Na minha época eu seria o melhor se não fossem todos os outros.
Paulo fazia 51, Dutra 52. Eu, 54.
Tudo na água gelada.

E depois das competições, ficávamos todos no clube. Normalmente as competições aconteciam nos clubes da Ponta da Praia. Quando era no Inter ou no Vasco, jogávamos "contra".
E todo mundo saía arrebentado do futebol.
Todos ralados.
E na segunda já estávamos lá , na piscina gelada, para mais uma semana de treinos.
Na água gelada.
Hoje a grande maioria está por aqui. Somos todos amigos virtuais.
Naquela época éramos todos amigos reais.
Havia muita rivalidade entre os clubes. Mas éramos todos amigos.
Porque existiam também os Jogos Regionais.
Os Jogos Abertos.
As cidades não contratavam atletas. Éramos nós mesmos a defender as cores da nossa cidade.
Aquele casaco pesado azul com uma listra vermelha e outra branca e o nome SANTOS estampado nas costas.
Aquilo era a maior premiação de um atleta naqueles tempos.
Todos queriam competir Regionais e Abertos.
Eram em outras cidades, em outras piscinas.
Todas geladas.

Já próximo dos meus 20 anos, o Saldanha já não era mais o mesmo. Eu era praticamente o último da minha geração, porque todos que ainda nadavam ali tinham quatro ou cinco anos menos do que eu. Num fatídico desentendimento entre o clube e o treinador do Saldanha na época, todo mundo resolveu ir para o Santa Cecília.
Naquela época a água já era ( mais ou menos ) aquecida.

Ficamos no Saldanha eu ( que já treinava muito pouco ), o Dutra e a Renata Agondi. Depois não ficou ninguém.
Dutra e Renata eram namorados.
Perdemos a Renata para o mar que ela tanto amava.
E essa história todo mundo que nadou em Santos conhece, infelizmente.
Renata virou livro.

Existem ainda outras muitas histórias que poderiam ser contadas por aqui. De nossos tantos carnavais que dormíamos na casa do Sr. Dutra, pai do Zé Ricardo, bem atrás do clube. Das sorvetadas, das viagens de amistosos em outras cidades, de todas as amizades.

Mas eu quis ser breve apenas para tentar fazer meus amigos daquele tempo voltarem um pouquinho ao passado e se sentirem vivos dentro desse relato.
Será que consegui ?

A foto que ilustra o "post" é da piscina do extinto Clube de Regatas Saldanha da Gama.
Já não existe mais.
Um novo Saldanha da Gama surgiu naquele lugar.
A modernidade não permite saudosismos exagerados.
Eu, que esperava que surgisse uma nova e suntuosa piscina, fui pego de surpresa ao saber que as tradições não foram mantidas e a piscina construída nem 25 metros tem. E com apenas duas raias.

Obrigado, Saldanha, por tudo de bom que me ofereceu no passado, mas é hora de dizer Adeus.

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